Sociedade civil e cidadania
Quem gosta de assistir aos programas da TV fechada sobre gestão de negócios, acaba assistindo a coisas muito interessantes, pena que na maioria das vezes na madrugada. Outro dia, insone, eu assisti a um painel de debates onde um grupo de empresários de alto escalão discutia a questão do investimento privado em infra-estrutura. Com justa razão todos os entrevistados se queixavam de que o Brasil estava competindo com outros emergentes, “carregando um saco de pedras às costas”. O saco de pedras, que todos nós conhecemos, está relacionado à alta carga tributária, à ineficiência logística relacionada à infra-estrutura brasileira em frangalhos, à insegurança pela falta de marcos regulatórios confiáveis, ao real sobre-valorizado, à burocracia infernal para viabilizar o comércio internacional, etc, etc. Nada do que foi falado é desconhecido de nenhum empresário, nem do governo e, apesar disso, nada tem mudado desde da proclamação da República.
O que fazer a respeito? Será que temos que aceitar que o Brasil se afunde em ineficiência e impostos altos, enquanto vemos o resto do mundo se distanciar da gente? Há algo que como cidadãos podemos fazer a respeito? Na verdade há sim algo que pode ser feito. A sociedade civil brasileira precisa se organizar e assumir suas responsabilidades.
Eu tive um chefe “gringo”, há muitos anos, que como uma exceção à regra adorava entender e se aprofundar no “jeitinho de ser do brasileiro”. Um americano atípico, o Joe (digamos que esse fosse o seu nome) aprendeu a falar português, a gostar de futebol (torcia para o Palmeiras, o que mostra que mesmo os americanos às vezes erram), vinha passar o carnaval no Rio com a esposa e, o mais impressionante, aprendeu o jeitinho brasileiro de fazer negócios. Depois de cinco anos à frente da divisão América Latina, o Joe foi finalmente promovido a VP da região Ásia/Pacífico (isso é uma promoção?). Eu fiquei muito triste, pois o Joe realmente me auxiliava a fechar negócios.
Na despedida do Joe eu resolvi convidá-lo para um jantar com pratos brasileiros, regado a caipirinhas. Já na sobremesa, resolvi testar para valer os conhecimentos do Joe sobre o Brasil. Aí tasquei a seguinte pergunta difícil: “Joe, na sua opinião, porque o Brasil, apesar de criativo, apesar de trabalhador e entusiasmado, parece um caranguejo que só anda para os lados”? O Joe matutou um pouquinho e me respondeu algo que me faz pensar até hoje. Ele disse mais ou menos o seguinte: “Augusto, o segredo do sucesso de um país é ser dotado de uma sociedade civil minimamente organizada. A sociedade civil brasileira é notoriamente egoísta e desorganizada”. Explicando melhor, o Joe me mostrou que a sociedade americana tem três camadas: povo, sociedade civil e governo. O povo é intrinsecamente desorganizado, suas demandas são segmentadas e cada um pensa no que é melhor apenas para si próprio. Já o governo (em qualquer parte do mundo) tende ao corporativismo, à burocracia, ao inchaço da máquina e é sempre sujeito aos interesses partidários. Sem a camada do meio o povo se expressa (mal) através de eleições e não tem voz ativa para cobrar a execução das promessas de campanha e das plataformas de governo. É a sociedade civil organizada que demanda por marcos regulatórios, por controle ambiental, por orçamentos equilibrados, por rigidez fiscal e apoio aos negócios.
O que é sociedade civil? É qualquer grupo de cidadãos que se aglutinem em torno de interesses comuns para demandar a execução eficaz de políticas públicas. Exemplos de grupos de interesses representativos da sociedade civil são: o conselho fiscal de um condomínio, a associação de pais e mestres da escola de nossos filhos, as associações e federações de indústrias, as associações de classe, as associações de bairros, os sindicatos, etc. Pense bem e você verá que de todos esses exemplos o único realmente organizado e aguerrido são os sindicatos, que para nosso azar não têm um viés de interesse coletivo, estando sempre orientados para a defesa de privilégios adquiridos pelas classes que representam, e para a competitividade do país como um todo.
Em poucas palavras o Joe explicou o Brasil: “povo não se organiza para se defender dos governos”. É como se aceitássemos pagar a taxa de condomínio de nosso prédio, sem que o síndico nos prestasse contas de onde investe nosso rico dinheirinho. O que fazer a respeito? Precisamos sair de nosso comodismo e defender interesses coletivos. Comece isso pela escola de seu filho, ou por seu condomínio. As atitudes boas, como as ruins, costumam ter um efeito viral.
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